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Viajante responde 11 perguntas sobre a Antártica

Ela é jornalista, conceituada, experiente e amante do meio ambiente. Na vibe da sustentabilidade, ela teve a oportunidade de conhecer o continente gelado. Gislene Bastos atua em Curitiba, na RIC TV Record, e recentemente contou no portal da emissora as 11 principais questões que sempre fazem a ela sobre a Antártica. Ela acompanhou o esforço dos militares da Marinha do Brasil no apoio aos pesquisadores brasileiros na região remota do planeta. Depois de ler todas as respostas, passa no Instagram dela também. Gislene é viajante e tem belas imagens para mostrar: @bastos.gislene
Como foi a viagem até a Antártica?
Pra chegar lá, eu e o repórter cinematográfico Dionei Santos fizemos primeiro um voo comercial de Curitiba a Punta Arenas, no sul do Chile. Já na Patagônia Chilena embarcamos no Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel, o H-44. Foi em janeiro de 2014, numa temporada de programas especiais da RIC TV.
Como foi chegar à Antártica?
Chegamos ao continente gelado com a luz dourada do final de tarde sobre as montanhas nevadas e uma revoada de petréis-do-cabo. Imagens que nos aqueceram na hora, apesar da temperatura de alguns graus negativos! Impossível não tirar a luva, congelar os dedos e garantir uma fotografia única. O ar gelado cortava a pele, invadia as narinas. O silêncio parecia gritar. O olhar se perdia querendo guardar detalhes de uma vastidão que não cabia no ângulo das nossas vistas. Passado esse primeiro momento de deslumbramento e apreensão, eu fiz o que aprendi com a experiência. Esqueci as pessoas ao redor, puxei o ar bem fundo pra sentir mesmo a atmosfera congelante, abri e fechei os olhos várias vezes. Guardei imagens e sentimentos. Agradeci.
Qual o ensinamento da Antártica?
Na Antártica, toda ação fica sujeita à natureza. É com base na avaliação das condições do tempo que as decisões são tomadas. Como estávamos no navio da Marinha do Brasil, a decisão cabia ao comandante, assessorado pelos dados fornecidos pelos militares das áreas e técnicos de meteorologia e navegação. Em vários dias permanecemos em alerta durante horas sem conseguir desembarcar. Em outros, fomos pegos de surpresa por uma “janela” de trinta ou quarenta minutos para ir a terra, gravar e retornar com o bote até o navio. Na Antártica o planejamento é essencial para conseguir realizar qualquer atividade. Mas é a capacidade de adaptação que determina o sucesso da ação, o que significa voltar em segurança para o abrigo.
O que vocês comiam no navio?
A vida a bordo pode parecer extremamente maçante. Nos dias de viagem e naqueles em que permanecemos fundeados nas águas geladas precisamos nos adaptar aos horários regrados da vida militar. O dia começava sempre às 7h, com a Alvorada do Ary Rongel. Ainda na cama, ou já nos arrumando pra sair do camarote, ouvíamos informações como as condições do tempo, temperatura externa e tempo de sobrevivência de uma pessoa no mar. Ao longo do dia eram servidas quatro refeições: café da manhã às 7h15min, almoço às 11h15min, janta às 17h15min e ceia às 20h30min. O cardápio era variado ao longo da semana e a cada refeição eram incluídos itens de diferentes grupos de alimentos: sempre uma proteína, um carboidrato, verduras, legumes, frutas. À medida que a navegação se prolongava, a oferta de alimentos frescos, como folhas verdes e frutas in natura, ia diminuindo. No lugar entraram compotas de frutas e saladas em conserva.
Era fácil dormir?
Deitar era um momento de provação diária. Os camarotes do NApoc Ary Rongel são pequenos e com capacidade para seis pessoas. São seis armários, seis gavetas para pequenos objetos, uma mesa com cadeira e dois triliches. Tudo grudadinho. O espaço entre a cama de baixo para a de cima, da de cima para a superior – e desta com o teto, é de apenas alguns centímetros. Assim que fomos apresentados aos triliches, passamos a imaginar como faríamos para “entrar” nas gavetas-cama. Logo descobrimos que, se não eram acomodações de luxo, eram confortáveis. Usando as próprias camas como escada e com um pouco de contorções no corpo tivemos noites reconfortantes. O segredo era colocar primeiro a cabeça, depois o tórax e o abdômen e, por último, as pernas… E já na sequência do lado certo para deitar. Não sei se era o cansaço das gravações do dia ou o balanço da água acariciando o navio, mas todas as noites depois que conseguia encostar o rosto no travesseiro o sono vinha rápido. Nada de insônia.


Enjoaram muito?
O enjoo ou mareio é companheiro de quem se aventura algumas horas no mar. Difícil o navegante que não sinta os sintomas. Em viagens longas mais ainda. E muito pior pra quem se propõe a atravessar as
águas entre o extremo sul das Américas e a Antártica. Esse trecho de mar, conhecido como a Passagem de Drake, é considerado um dos priores para a navegação no mundo com ventos constantes e ondas que podem chegar a 10 metrosde altura. Nossa travessia foi amena, com ondas de até 5 metros… Nessas condições foram dois dias, 44 horas. Eu passei realmente mal… Nas palavras do pessoal do navio “fiquei verde”. Precisei trocar a medicação contra enjoo e reforçar os cuidados com a alimentação. Passei várias horas entre a cama e o sofá da Praça d’Armas, a sala de convivência na embarcação. Para o Dionei, o Drake foi mais tranquilo. Ele até conseguiu trabalhar e gravou imagens, que pra mim, foram de total desamparo.
Dentro do navio a água era racionada?
O Navio de Apoio Oceanográfico Ary Rongel é carinhosamente chamado pela tripulação como o Gigante Vermelho. Não é pra menos. Com autonomia para até um mês no mar, tem grande capacidade para transporte de carga e conta com soluções que trazem conforto pra vida confinada. O sistema que transforma água do mar em potável é um orgulho. Os tanques armazenam 112 mil litros de água. O abastecimento é garantido. Os banhos não têm limite de tempo, exceto pela consciência de cada um. E os tripulantes podem até mesmo lavar roupas.
Chegaram a passar muito frio?
Não passar frio na Antártica é impossível. O lugar mais gelado do planeta exige adaptação e vestuário especial para a sobrevivência humana. Recebemos nosso kit do Programa Antártico Brasileiro (Proantar) durante a viagem, logo depois que saímos de Punta Arenas. Tínhamos feito reserva, com a especificação dos tamanhos, ainda no Brasil. A Marinha se encarrega de separar e fazer chegar até você todo o material: calça estilo jardineira, jaqueta com capuz, toca, cachecol, máscara para os olhos, luvas, botas. Só saíamos do navio se estivéssemos devidamente uniformizados… E ninguém jamais sequer pensou na possibilidade de eliminar alguma peça. O frio congelava até o pensamento.
Como as pessoas vivem na Antártica?
A Antártica não é uma terra própria para nós humanos. São poucos os animais que conseguem sobreviver às condições de tempo tão extremas. Características tão especiais que algumas espécies só sobrevivem lá mesmo. Caso que se repete com as plantas e outros organismos vivos. As pessoas que acabam morando na região, o fazem em situação especial. São pesquisadores ou militares dos países que integram o Tratado Antártico. Poucos países mantêm bases permanentes durante todo o ano. Sobreviver ao Inverno antártico é missão pra bem poucos. Alimentos, por exemplo, só chegam jogados de aviões que sobrevoam as estações, sem aterrissar.  O modelo mais eficiente de povoamento é desenvolvido pelo Chile. Os oficiais da Força Aérea podem levar esposas e filhos para viver no continente durante dois anos. Eles dão vida a Villa Las Estrellas, um modelo único de convivência social.
O que de mais surpreendente você viu lá?
Numa região como a Antártica pra todo lado que você olha, você se surpreende. Num dia uma pedra negra chama a atenção. Uma ou duas horas depois e essa pedra está coberta pela neve. A paisagem é de um cinza constante. Em duas semanas que permanecemos lá, foram só dois dias com algumas horas de sol. Ainda assim não é uma paisagem sem contraste… O olhar se adapta e reconhece variações de tom mesmo à distância.  Exceto nos locais próximos às pinguineiras, o ar não carrega cheiros fortes. É limpo mesmo. O vento é constante. Mas não o vemos nas folhas de uma árvore – simplesmente não há arvores! Nós o sentimos cortando a pele, queimando o rosto. E se ninguém fala ao seu lado, este é o lugar perfeito para conhecer o silêncio. Silêncio sem barulhos, sem ruídos.
O que foi mais marcante nesta cobertura?

Essa é quase sempre a primeira ou segunda pergunta. Deixei pra responder por último de propósito. É preciso saber as respostas anteriores pra entender porque não dá pra escolher um momento ou imagem marcante. Posso facilmente escolher a imagem congelada da chegada, a mistura de adrenalina/medo/satisfação dentro dos botes entre o navio e a praia, a visão da neve, a camaradagem da convivência realmente humana num lugar tão desumano, o sobrevoo de helicóptero que nos deixou do ladinho de geleiras eternas e muito azuis… E a lista segue sem fim. Eu vou sempre lembrar dos dias em que conheci a vida na mais autêntica e gigantesca manifestação.


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